sexta-feira, 1 de maio de 2009

O Escafandro e a Borboleta


Existem duas coisas que não estão paralizadas em mim: minha imaginação e minha memória.
Minha imaginação e minha memória eram as duas únicas maneiras de poder escapar do meu escafandro. Eu podia imaginar qualquer coisa, qualquer um, qualquer lugar.

O Escafandro e a Borboleta é um filme francês, premiado com o globo de ouro de melhor filme estrangeiro e melhor direção, também ganhador do Grande Premio Técnico de Cannes, entre muitos outros. O filme tenta transcrever a história do ex-redator da revista francesa Elle, Jean-Dominique Bauby, através de sua ultima publicação literária quando, após um derrame, vê-se preso a seu corpo, paralisado, consequencia de uma doença rara chamada locked in.
O que impressiona durante todo o longa é a fotografia de Janusz Kaminski que nos coloca paralelo ao personagem, nos dando o prazer [ou o desprazer] de enxergarmos a realidade vivida por Jean-Do. A narrativa construída aos poucos não nos conta imediatamente tudo oq se trata. Conhecemos os fatos na mesma linha temporal que o personagem principal, que vai se lembrando dos acontecimentos , analisando sua vida até que enfim, possamos conhecê-lo, totalmente. É aqui que o filme nos emociona. Em nenhum momento Jean-Do se passa como um coitado digno dos nossos pezares. A sensação é de um homem [leia-se homem], carnal, contraditório e belo. Como o ser humano é. Sem rodeios. O longa consegue fazer perceber todas as contradições necessárias sem que com isso nos distanciemos do personagem principal, pelo contrario, conseguimos nos identificar, ora, por demais:

Hoje, sinto que minha vida é uma série de frustrações. Mulheres que não fui capaz de amar...oportunidades que não soube avaliar...momentos de felicidade que deixei escapar. Uma corrida cujo resultado eu conhecia de antemão mas falhei em escolher o vencedor. Tenho sido cego e surdo ou o duro golpe me fez descobrir a minha verdadeira natureza?

Entrar na mente de Jean-Dominique Bauby é se relacionar com nossas próprias frustrações, reviver nossas próprias lembranças, é articular alguma forma de nos desprendrer do nosso escafandro, de encontramos a nossa borboleteta. O ex-redator da revista Elle, morreu 10 dias após a publicação do seu livro, escrito no hospital através de um método desenvolvido por sua fonoaudióloga onde Jean-Do cita cada letra com o piscar de um olho.

Através da cortina em fiapos, um tênue brilho anuncia o raiar do dia. Meus calcanhares doem, minha cabeça pesa uma tonelada, todo o meu corpo está encerrado em uma espécie de escafandro. Minha tarefa agora é escrever as inertes anotações de viagem de um náufrago nas praias da solidão.
Originalmente este Hospital Naval foi uma casa para crianças com tuberculose. No corredor principal tem um busto de mármore branco da Imperatriz Eugénie, esposa de Napoleão III, patrono do hospital, que o visitava com freqüência. Havia uma vasta fazenda, uma escola e um lugar onde supostamente o grande Diaghilev ensaiou seus balés russos. Dizem que foi aqui que Nijinsky deu seu famoso salto erguendo-se a 3 metros do chão. Ninguém mais salta aqui. Hoje em dia só há velhos e fracos, ou como eu, estáticos e mudos. Um batalhão de alejados.


Não há de se falar muito para um filme que é perfeito, do início ao fim.

[essa postagem tb pode ser vista em www.idearium.com.br]

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ótimo filme. O Escafandro e a Borboleta traz uma concepção de filmagem totalmente inusitada e que te força a sentir a história. É claustrofobia do início ao fim. E é assim que deveria ser. Viver preso num escafandro é um pesadelo, é uma impotência aguniante. E incrivelmente o filme passa tudo isso. Mesmo que seja um desprazer a câmera fechada desse jeito, é isso que torna o filme tão verdadeiro, único e merecedor de vários prêmios.

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  3. Mais uma vez me senti extremamente tentado a assistir um dos filmes comentados, repito: na proxima vez chame!
    haha

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  4. Acabei de assistir ao filme. Gostei. Aliás, procurando por um trecho que me agradou é que encontrei seu blog. Digitei o nome do filme e a palavra mármore (do busto de mármore) no google. Cai aqui. Foi a segunda boa surpresa do dia - sim, o filme foi a primeira.

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